NEUROLOGIA COGNITIVA

Assista ao vídeo acima e entenda o que aborda a Neurologia Cognitiva. No texto abaixo estou discutindo sobre a Neuroanatomia da Cognição. Esse conhecimento é uma das bases para a atuação clínica, na prática, do profissional da Neurologia Cognitiva. Vem comigo!

Vamos discutir abaixo a correlação neuroanatômica das funções mentais e sua relação com a clínica, ou seja, com os sinais e sintomas dos pacientes com quadro de perda cognitiva e demência.

O primeiro e mais importante passo é a avaliação clínica, entrevista e exame clínico, primorosos. Será através deles que achados como agnosia visual, apraxia construtiva e desorientação espacial serão correlacionados a estruturas parieto-occipitais, comumente afetadas pela doença de Alzheimer.

Vale lembrar que a correlação entre lesão anatômica e sintoma não é matemática. Isso porque cada função complexa se dá a partir de integração de várias áreas cerebrais distintas. Um grande exemplo são as alterações da memória que podem ser decorrentes de lesões do córtex pré-frontal por prejuízo da atenção e evocação, de lesões do lobo temporal medial por perda da consolidação da informação aprendida, de lesões nos córtices associativos por falha na codificação e no armazenamento.

As funções mentais são fruto de interação de grupos neuronais corticais, subcorticais e cerebelo. No córtex há cinco subtipos de áreas corticais. As áreas primárias que são sensoriais e motoras. Aqui, inclui-se o córtex somatossentivo primário composto pelo giro pós-central, o córtex visual composto pelo polo occipital e fissura calcarina, o córtex auditivo composto pelo giro temporal superior, o córtex motor primário composto pelo giro pré-central. As áreas secundárias que incluem o córtex de associação unimodal, que diz respeito a uma modalidade específica, como por exemplo, o córtex pré-motor, no lobo frontal, o córtex de associação somatossentivo, no lóbulo parietal superior, o córtex de associação auditiva no giro temporal superior, o córtex de associação visual, nos lobos occipitais e giros temporais médio e inferior. As áreas terciárias que são o córtex de associação heteromodal ou de diferentes modalidades, incluindo aqui o córtex pré-frontal, o lobo parietal inferior, a região parietal medial e o sulco temporal superior. Há ainda a áreas paralímbicas como o córtex orbitofrontal, a ínsula, o polo temporal, o giro do cíngulo e o giro para-hipocampal. E finalmente as áreas límbicas com os hipocampos, o córtex olfatório, a amígdala, a área septal e a substância inominada.

Nesse modelo quanto mais a experiência sensorial progride, se torna mais refinada, com adição de sensação, percepção, motivação, planejamento e ação.

Há descrito pelo menos cinco redes neurofuncionais. A rede de atenção espacial presente no hemisfério direito onde encontra-se o córtex parietal dorsal posterior, no campo ocular frontal e no giro do cíngulo. A rede de linguagem presente no hemisfério esquerdo onde encontra-se as áreas de Broca e Wernicke. A rede de memória e emoção centradas nas estruturas hipocampais, entorrinais e da amígdala. A rede de funções executivas e de comportamento centradas no córtex pré-frontal dorsolateral, no córtex orbitofrontal e no córtex parietal posterior. A rede de identificação de faces e objetos centradas nos córtex temporais laterais e polo temporal.

Lobos frontais

Áreas de associação motora (córtex pré-motor, área motora suplementar e campos oculares frontais).

O lobo frontal deve sempre ser associada ao controle do comportamento motor. O córtex pré-motor oferece comportamentos motores genéricos, por exemplo a combinação de uma sequência de movimentos, e se projeta para o córtex motor primário e para vias motoras da medula. As áreas de associação motora são alimentadas pelas regiões unimodais e heteromodais, formando circuitos visuomotores. Lesões nessas levam a alterações complexas como a apraxia, onde uma função motora conhecida não pode mais ser executada, sem impedimento sensitivo, motor primário e coordenativo. Na apraxia ideomotora, por exemplo, temos um indivíduo que não consegue reproduzir sob demanda externa o ato de pentear-se, mas o faz espontaneamente. Na apraxia da fala temos um indivíduo que tem dificuldade na articulação, decorrente de lesão na parte pré-motora da área de Broca. Isso mostra que lesões nos córtex associativos motores danificam a interação cognição-ação.

Córtex pré-frontal heteromodal (córtex pré-frontal dorsolateral) e funções executivas.

Vamos sempre relacionar as funções executivas, ou seja, a capacidade de planejar, organizar, executar e monitorar. Em termos de experiência são a volição, autoavaliação, abstração e capacidade de julgamento. A área recebe informações de todos os córtex de associação secundária, terciária e de regiões paralímbicas. Os indivíduos apresentam embaraço na tomada de decisões e resolução de problemas, o leva a incapacidade de gerir as finanças e planejar as atividades coletivas, por exemplo.

Córtex pré-frontal paralímbico orbitoventromedial.

As estruturas de córtex pré-frontal ventromedial, amígdala, ínsula ventral e polo temporal têm papel naquilo que chamamos de cognição social, ou seja, as decisões sociais e emocionais. O comprometimento dessas estruturas leva a decisões impulsivas, a partir de estímulos externos sem interpretação social, por exemplo, atender um celular que toca mesmo não sendo o seu. E também há alterações de personalidade e comportamento agressivo pela perda dos mecanismos de inibição, comprometimento da tomada de decisão emocional e valência emocional as ações. De forma que os pacientes perdem a noção das consequências de seus atos.

Área de Broca e produção do discurso.

Na maioria das pessoas do lado esquerdo, está na região frontal lateral do hemisfério dominante do cérebro. Tem o papel da produção motora da linguagem e da transformação do pensamento em linguagem. Também desempenha a articulação da fala, corrige erros e o fluxo do discurso. Na afasia de Broca, por lesão dessa estrutura há problemas de fluência, esforço para iniciar a fala e perda de palavras, anomia, agramatismo, problemas de articulação e repetição.

Lobos temporais

Estruturas mediais e memória episódica.

O hipocampo, amígdala, córtex entorrinal, córtex para-hipocampal e córtex perirrinal fazem parte do sistema de memória declarativa, também conhecido como de evocação consciente, para experiências pessoais e concretas, chamada de “memória episódica”. São indispensáveis no processo de aprendizagem de informações novas, o hipocampo, por exemplo, na etapa de consolidação. O acometimento afeta todas as etapas da memória, a codificação, o armazenamento, a consolidação e a evocação. Vai ser mais grave quanto maior for a lesão, por exemplo, apenas no hipocampo pode apagar até os últimos 2 anos (amnésia retrógrada) e impedir a consolidação de novas informações (amnésia anterógrada). Os sintomas são repetitividade, não se mantêm atualizados, não têm destreza com recados, compromissos e encontrar coisas guardadas.

Córtex heteromodal temporal e agnosias.

Faz o reconhecimento de objetos, faces e vozes. De forma que lesões no córtex temporal inferior causam agnosia visual, falha no reconhecimento de objetos, no córtex temporal médio, falha na associação entre faces e nome ou voz, prosopagnosia.

Polo temporal e memória semântica.

Este tipo de memória declarativa se caracteriza pelo conhecimento de fatos do mundo externo e conceitos, sem relação ao contexto em que a informação foi aprendida. É ela que torna possível guardar informações, significados, associações entre palavras, conceitos e símbolos. Sua perda leva a dificuldade em nomear, categorizar e generalizar, ou seja, perda do conhecimento. Além da parte anterior de polo temporal, as regiões pré-frontais, estruturas mediais temporais e tálamos também processam informações semânticas. Na prática clínica, vemos que os pacientes com afasia progressiva primária fluente (ou demência semântica) apresentam atrofia das partes anteriores dos lobos temporais, de forma assimétrica, com predomínio à esquerda. Iniciam com anomia mesmo para palavras comuns, mantendo preservada a fluência e a repetição (conseguem repetir, mas não conseguem definir palavras). Evoluem com dificuldade de compreensão de palavras, de categorização, anomia severa, parafasias semânticas e perda do conhecimento em geral.

Área de Wernicke e compreensão da linguagem.

Está localizada na união do giro temporal superior posterioemente e do lóbulo parietal inferior esquerdo. Faz parte do sistema de associação de sons da fala com seus conceitos. Pacientes com afasia de Wernicke apresentam alterações na compreensão da linguagem, em geral com boa fluência, até exagerada, boa entonação e bom ritmo. Contudo, o discurso muitas vezes se apresenta como ininteligível devido a erros na escolha de palavras ou fonemas, trocando a ordem dos sons, adicionando ou subtraindo palavras e distorcendo o plano fonêmico. A troca incorreta de fonemas ou palavras inteiras é chamada de “parafasia fonêmica” (por exemplo, “camisa” versus “tamisa”). Esses pacientes também apresentam parafasias semânticas que são caracterizadas pela seleção de palavras erradas para o que querem dizer, usando palavras semanticamente relacionadas (por exemplo, “mãe” versus “esposa”). Podem apresentar também invenção de palavras novas (neologismos).

Lobos parietais

Estrategicamente entre as áreas de processamento visual e motor, garantindo o controle visual do comportamento motor e a percepção espacial da relação entre objetos. A parte ventral, mais próxima ao córtex occipital, processa principalmente informações espaciais e a parte dorsal está mais relacionada a funções motoras.

Córtex parietal dorsomedial

Relacionadas primariamente às funções motoras, as lesões nessa área causam prejuízo na percepção corporal, no controle motor e na orientação visual do comportamento motor. Lesões no hemisfério dominante levam à apraxia ideomotora, ficando o paciente é incapaz de realizar certos movimentos de forma voluntária, sob comando verbal ou imitação, mas consegue fazê-lo de forma espontânea, por evocação do hábito. Há também a assomatognosia onde há negação a existência de um membro de seu corpo do lado contralateral à lesão. Podem apresentar também ataxia óptica caracterizada pela dificuldade na coordenação entre a percepção visual e o movimento da mão, como ao pegar um objeto em seu campo de ação errando o local ao tentar alcançá-lo. Junto com a apraxia oculomotora e simultanagnosia, elas formam a síndrome de Bálint que ocorre na atrofia cortical posterior.

Córtex parietal ventrolateral.

Área relacionada com as funções espaciais e cognição. Lesões no hemisfério não dominante, levam à heminegligência com consequente desatenção a tudo o que ocorre na metade contralateral à lesão. Também há a “apraxia construtiva” com dificuldade do paciente desenhar e arranjar formas anteriormente reproduzidas sem dificuldades. Também podem ser observados déficits em tarefas cognitivas que necessitem de pensamento espacial abstrato, por exemplo, pacientes com acalculia que apresentam dificuldades para manipular mentalmente números de múltiplos dígitos . Ainda, pacientes com lesões na região do giro angular esquerdo apresentam dificuldade com sua posição no espaço (por exemplo, com confusão direita-esquerda), dificuldade em vestir suas roupas (apraxia do vestir), apresentando agrafia (dificuldade para posicionar os traços das letras) e alexia à medida que a leitura, a escrita ou o soletrar envolvem um pensamento espacial. Também, alguns pacientes apresentam dificuldade de compreensão de frases com estruturas lógico-gramaticais complexas, decompondo partes das frases sem conseguir juntá-las em um todo1.

Lobos occipitais e percepção visual.

O córtex visual primário decompõe o estímulo visual em características básicas como forma, cor, contraste, entre outras. Já o córtex visual secundário recebe essas aferências para sintetizar e codificar os estímulos visuais organizados de forma somatotópica no córtex primário, tendo papel central no processamento das informações visuais. Lesões do córtex occipital secundário causam alteração da percepção visual (e não hemianopsia), com problemas no reconhecimento visual. Pacientes não conseguem copiar ou fazer desenhos.

Sistema límbico

Em 1937, James Papez sugeriu um circuito cerebral para o processamento das emoções composto de hipotálamo, tálamo anterior, giro do cíngulo e hipocampo, entre outras. Posteriormente Paul MacLean nomeou essas estruturas como “circuito de Papez”, mas também incluiu no circuito a amígdala, o septo e o córtex pré-frontal e chamou esse circuito ampliado de “sistema límbico”.

A amígdala, localizada no lobo temporal, tem aferências do neocórtex, do giro para -hipocampal e do córtex cingulado e elas se conectam ao hipotálamo por dois grandes feixes (estria terminal e amigdalofulgal ventral).

Essa região é responsável pela interação entre a entrada de informações e a emissão de respostas do sistema de medo e também modula a formação de memórias explícitas no hipocampo e em áreas afins. Além das emoçoes, há controle da fome, sede e libido e ligação entre estímulos autonômicos e hormonais à atividade mental.

Conexões frontais-subcorticais

No comprometimento cognitivo vascular subcortical estes circuitos são afetados levando a respectivas alterações.

Circuito pré-frontal dorsolateral/subcortical: disfunção executiva, diminuição da velocidade de processamento motor, diminuição da fluência verbal em testes de palavras/minuto perseveração.

Circuito orbitofrontal/subcortical: desinibição, mania e comportamentos obsessivo-compulsivos.

Cíngulo anterior/subcortical: apatia, mudanças de humor, diminuição da velocidade de processamento.

Cerebelo

Visto antes pelas funções motoras relacionadas à coordenação, agora reconhecido pelo papel cognitivos e emocional. A síndrome cognitivo-afetiva do cerebelo é caracterizada por alterações nas funções executivas (dificuldades de planejamento, alternância de foco, raciocínio abstrato, memória de trabalho e fluência verbal), alterações espaciais (desorganização visuoespacial e comprometimento da memória visuoespacial), alterações da personalidade (embotamento afetivo, desinibição ou comportamento inadequado) e alterações do discurso e da linguagem (dificuldade na prosódia, agramatismo e leve anomia).

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Por Dr. Emerson de Paula Santos
Neurologista pelo Hospital das Clínicas
CRM 71385 RQE 47146 

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